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      Fissuras linguísticas

 

      A exposição Por favor, ao ler isso, não me leve a mal, mas não era bem isso o que eu queria dizer, da artista Alice Ricci em parceria com o Ateliê Fidalga, inaugurada no dia 16 de junho/2017, na Sala Projeto Fidalga, situa o espectador num jogo linguístico, trazendo à tona as complexidades da interlocução. Ricci, que já vem se debruçando há mais tempo sobre os procedimentos de jogos e processos de repetição pensados a partir de informações visuais do cotidiano, agora, em sua individual, levanta o debate sobre as noções de mensagem e ruído, colocando-os em atrito na exposição.

      Quem entra no espaço se depara com a estrutura de um caça-palavras em grande escala, que avança pela extensão da parede. O contraste da letra em amarelo-neon vibra sobre o fundo branco, dificultando qualquer leitura e ofuscando a percepção. Ao ver de perto, não há palavras a ser encontradas. Na mesma sala, quadros feitos em papel em pequeno formato nos apresentam uma estrutura de símbolos velados por uma película também amarelo-neon. Mais uma vez, a cor que deveria clarear e iluminar uma informação, torna-se um empecilho para o entendimento. Regras são corrompidas, caracteres viram manchas, elementos de transmissão tornam-se signos abstratos.

      A artista comenta que a exposição surge da vontade de comentar sobre essas fissuras da linguagem. “Eu vejo essa comunicabilidade não exata como algo universal. É uma impressão que parte de vivências minhas, mas que se manifesta por todos os lados”. Algo entre a hermenêutica de Wittgenstein e a proposta de jogo como mecanismo de produção de Guy Debord, o trabalho de Alice Ricci constrói-se em um terreno lúdico de verificação do código comunicativo e de avaliação dos sinais como síntese de representação.  

      Se levarmos em conta a exacerbação de imagens e conteúdos que nos atropelam a todo instante no contexto contemporâneo, bem como a existência de uma conjuntura de interesses que regem a circulação de informação, a mostra nos permite refletir sobre discursos, automatismos e jogos de poder. A noção de um passatempo inútil ou de uma comunicação sem finalidade problematiza nossas práticas de diálogo e nos põe a pensar sobre a forma como o tempo impera no ritmo da cidade e sobre como nós fazemos uso dele. A exposição segue até o final do mês e ainda receberá um bate-papo no dia 29 de julho voltado para a discussão sobre os temas que atravessam as obras apresentadas.

texto: Paola Fabres

[curadora e pesquisadora indepedente]

junho/2017

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