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      Grifos

 

      O trabalho de organização de uma exposição inicia-se pela empatia e simpatia que se tem pelo artista e pela ideia do projeto. Foi o que me fez pensar em Alice Ricci para esta exposição. Algumas das impressões que tive a cerca de seu trabalho são endossados por ela: Como artista, me interesso em desenvolver e evidenciar procedimentos a partir de jogos e repetições que construo apropriando-me de informações visuais. Trabalho com desenho, fotografias, meios impressos e objetos cotidianos. Conceitualmente, pretendo gerar reflexões sobre o esforço, a mecânica de trabalho, o tédio e a monotonia." Ao me aprofundar na sua pesquisa percebi a flexibilidade que empenha neste percurso, a construção de ideias e a apropriação de aparentes casualidades.

      Alice tem ciência que a essência do seu trabalho vem dessa etapa e diz que a obra pronta (o objeto de acabado) não é seu foco. Com esta reflexão traz à tona o fato de que produzir arte é trabalhar muito sem o glamour que abriga o inconsciente do espectador. Também evidencia questões sobre o tempo, tanto aquele que se mede e que está se tornando cada vez mais fracionado, quanto aquele cuja quantificação não importa, está lá para referenciar o esforço.

 

      Criando trabalhos a partir de objetos e ações mínimas, a artista adota uma paleta de alto contraste (preto e branco) que está nos impressos dos quais se apropria e nas intervenções que realiza sobre eles. Posteriormente começa a usar canetas azuis e vermelhas e alguns impressos até trazem algumas cor, porém o resultado sempre mantém certa neutralidade. Em seus mais recentes trabalhos usa o amarelo fluorescente para pintar um enorme diagrama de letras sobre uma tela branca, onde o jogo de caçar palavras é frustrado pela sua visualização e composição. Também faz uso de um jogo de madeirinhas empilhadas que pintadas neste tom dificultam a brincadeira.

     Independente das cores a intenção de Alice é bem clara: desconstruir as formas dos textos, palavras e letras, assim como seus significados. Na série Crucigramas se apropria dos jogos de passatempo e intervém neles à sua maneira - "Estabeleci uma regra visual própria para ocupar e redesenhar os espaços gráficos e o meu tempo neste lugar." - diz a artista, criando novos enigmas.

      Essa desconstrução tem início com os trabalhos Estudo 1 e Estudo 2 da Gramatologia onde a artista imprimiu as 28 páginas do texto Gramatologia, de Jacques Derrida e pintou todas as letras. Em seguida organizou as páginas a partir da composição formal sugerida pelo verso das folhas elaborando as duas obras. Algumas análises sobre o texto de Derrida apontam que ele sugere uma desconstrução da grafia e os signos que carregam, de forma que haja uma reinterpretação nas formações culturais e intelectuais, promovendo um novo conhecimento. A ação da artista do texto aos passatempos joga com as questões filosóficas (Derrida) e ordinárias (passatempos) dos seus teores. Ao mesmo tempo em que inutiliza seus conteúdos, preserva seus signos conceituais através dos títulos ( Estudo 1 e Estudo 2 da Gramatologia) e de suas formas geométricas (Crucigramas).

      Ainda com o jogo de madeiras, Móvel, - outra forma de passatempo - produziu um vídeo onde retrabalha as regras, colando todas as peças ao ponto de bloquear nossa percepção dos detalhes para visualizar um único bloco.

      "Que sentido faz aqui o que eu faço?" A partir dessa pergunta que se faz a cada novo local que trabalha, descobre novas formas de operação sem perder o foco de suas buscas. Alice Ricci diz que a vida é um passatempo, e a relação que tece e propõe ao espectador é da busca pelas próprias regras no aproveitamento desse tempo, ou mesmo da não preocupação em estabelecer algum parâmetro, por isso persiste em seus grifos, que são provocações para novas buscas. Aliás, o sinônimo de grifo é enigma.

texto: Cristina Suzuki

[artista visual]

abril/2016

Texto realizado para a exposição individual  Grifos | Alice Ricci,

no Projeto Arte Contemporânea Para o Alpharrabio, Santo André, SP

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